Exposição

Corpus Hermeticum de Luz

10 Nov 2022 -
 10 Dez 2022

GALERIA FERNANDO DE AZEVEDO

 

A exposição Corpus Hermeticum de Luz constitui uma partilha da minha prática artística de vários anos. Trata- se de uma ampla mostra de obras, proveniente de várias fases, séries, datas e temáticas. Uma galáxia de muitas moradas, corpos de várias latitudes que se unem num grande propósito que é o da viajem pelo âmago humano. Daí a alusão a um corpo, onde da observação que se faz das suas diferenças, não conseguimos destacar o órgão ou a parte principal. É o “Todo” que fala e todas as partes a ele regressam. Existe uma ramificação intencional entre obras aparentemente distantes, como A galinha dos ovos de merda, Making off, até obras, como A energia que cria mundos, A grande ressonância. É este processo de sincronias que tento em seguida revelar.

Perante esta ramificação de trabalhos, é válido olhar para este Corpus Hermeticum como uma grande epopeia existencial, feita de Luz e Sombra, da qual emerge a discussão e a possibilidade das suas ramificações, tríades, multiespacialidades e tantos outros limites na sua maior glória que é a transformação e a viagem. É muito provável que a “Luz e Sombra”, metaforicamente propostas na exposição, são as mesmas que se encontram na frase do poeta Libanês Khalil Gibran “só assim sabereis que o erecto e o caído são um único Homem”.

Este corpo de trabalhos funciona como relato de grandes temas da Humanidade. Obras como Uma dança famosa, Os súbditos da Convenção, Pretérito imperfeito, Santíssima Trindade , Carpe Diem , assumem-se como uma grande lente, ou “documentos vivos” sobre tempos que não devem ser esquecidos. Pinturas, desenhos, esculturas, instalações e objectos como “texturas de vozes silenciadas” resistindo às opressões.

Por outro lado, contribuindo para um fluxo de energia mais positivo, energizante e próspero, onde todos os limites conhecem a sua porosidade, construíram-se obras como “amparos”, “simples poemas” ou “mundos possíveis”. Trabalhos como Visitação ou persistência do sonho a partir de Alan Kurdi, O tempo é meu amigo, Sincronias e aparições nas listas de apreciação , Na Ucrânia nasce a todo o instante uma grande polis Universal, A culpa é dos grãos de areia de Shakespeare, ou mesmo Interior de Montanha e Enraizamento, convocam valores ancestrais, altamente ligados aos dias de hoje por metáforas pictóricas, onde o aparentemente imóvel e o sereno sussurram os mistérios da vida.

De resto, esta tem sido a grande proposta de uma prática artística com quatro grandes títulos, onde vou “arrumando” as diferentes expressões: Cosmo, Desenhos Intencionais, Escultura/Instalação e Naturezas Vivas. Todos eles comungam de uma mesma acção retórica, aquela que põe em crise o conhecimento adquirido, sugerindo algo que “sai do caminho”. Nesta prática assumo um certo gozo que reside na gestão de “significados nublosos”5, utilizando uma expressão de Umberto Eco. Um conflito entre a convenção e aquilo que se propõe, resultando uma aparente “inadequação” desejada na representação. A “fantasia” que surge nos quatro ramos colide com limites e paradigmas da realidade. Essa fuga propõe valores periféricos e procura construir um jogo de combinações, deslizando entre mundos distintos. Estes trabalhos mostram o poder desviante da Arte e das suas imagens, tal como referia Wunenburger, permitindo modificar e transformar a realidade, produzindo “mundos fictícios” e alternativos.

Celebramos 100 anos da publicação de Siddhartha de Hermann Hesse, e perante os estilhaços do mundo, entendidos como uma “noite escura” da alma humana, da orla passamos ao interior da vegetação na busca desses raios de sol de uma consciência interior mais ampla e em movimento. Nesta grande viagem simbólica de resgate encontramos o livro “Tao Te Ching” de Lao Tzu como fundo de muitas obras. De resto este livro, um dos mais traduzidos depois da Bíblia, foi o ponto de partida para a exposição “Interior de Montanha” que antecedeu e desenhou este Corpus Hermeticum de Luz, e de onde surgiram 6 poemas de Gonçalo M. Tavares que perscrutam a urgência desses “interiores” (poemas que voltamos a partilhar nesta obra). Curioso foi testar as suas coincidências com os versos pitagóricos e escavando mais fundo, sabendo que Pitágoras caminhou também no Egipto, atraímos para este momento os textos que deram origem ao “Corpus Hermeticum” do sacerdote egípcio Hermes Trismegisto. Esse conjunto de textos/ensinamentos aprendidos sob um efeito de revelação, numa linguagem complexa e figurada, revelam algumas leis sobre o funcionamento do cosmo, ao mesmo tempo que se sugere aquilo que Jesus mais tarde disse aquando do seu calvário “Vós sois Deuses”9. Seja como for, esse Egipto longínquo do Hermetismo, a uma ou várias vozes, passou posteriormente pela época grega, por Pitágoras, Platão, Aristóteles, pela época medieval nas latitudes da Alquimia, no fulgor da época renascentista nomeadamente pelos neoplatónicos, tendo sido recentemente descobertos textos que parecem validar a sua origem destes escritos enigmáticos.

Esta exposição não é um tratado antropológico, religioso, filosófico ou científico, é antes uma montra útil de metáforas, alegorias, “artedevertências”, poemas e posicionamentos que pretendem intrigar e ampliar as consciências, perante o cenário mais actual de pandemias e guerras. Propõe um contacto possível com elixires profundos da alma. A hipótese atrevida de evidências que narram uma energia particular em cada um de nós, proporcional àquela que faz movimentar os planetas ou segura as estrelas no firmamento. Perante os estilhaços de guerra são estas imagens de leveza que activamente se propõem a partir de vários momentos da exposição em vários locais da sua itinerância. Imagens de planetas suspensos, montanhas leves, cristos vivos, rochas falantes, vazios essenciais, fusão de mundos, arcos de integração, geometrias sussurrantes.

Nietzsche no Livro “Para Além do Bem e do Mal” referiu que “Quem deve enfrentar monstros deve permanecer atento para não se tornar também um monstro. Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti.”11 E agora? Em que vaso energético queremos crescer? Vibramos no medo das pandemias? Desconfiamos das quarentenas? Dos governos? Do hipercapitalismo? Vivemos a guerra? Queremos a guerra? Respondemos com guerra? Choramos? De que modo somos pela paz? Energizamo-nos onde e a partir de que lugar?

 

o artista
Mário Vitória

Nasceu a 27 de Setembro de 1983 em Coimbra, natural de Côja, Arganil.

Durante o percurso académico realizou estudos intermédios em Lyon (França), Bolonha (Itália) e Sheffield (Inglaterra). Licenciou-se na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Mestre pela mesma Faculdade em Práticas e Teorias do Desenho. É mestre também pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Porto na área das Artes Visuais.

Sobre a sua obra já escreveram vários autores da cultura Portuguesa, como Boaventura de Sousa Santos, João Pinharanda, Bernardo Pinto de Almeida, Fernando António Baptista Pereira, Laura Castro, Jorge Olímpio Bento, Gonçalo M. Tavares, Ana Zanatti, José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe, Artur Cruzeiro Seixas,  Manuel António Ribeiro, Ana Luísa Barão, Nuno Mata, António Cardoso, Jorge Olímpio Bento e Sílvia Simões.

A convite da Federação Portuguesa de Natação com a colaboração do Comité Olímpico e Paralímpico de Portugal realizou a obra Institucional “Mergulho de uma amizade ancestral na celebração Olímpica”, para homenagear o Desporto e a Natação Olímpica nos Jogos Olímpicos de 2020 no Japão.

Em 2020 recebeu pela Diretora Regional da Cultura Centro Suzana Menezes a Medalha de Mérito Cultural atribuída pelo Município de Arganil. Nesse ano a convite do CPS – Centro Português de Serigrafia realizou uma Serigrafia de edição especial em homenagem ao Mestre Artur Cruzeiro Seixas, assinando as mesmas no dia em que o seu amigo completaria os 100 anos.

Foi selecionado mais quatro artistas portugueses para representar Portugal na exposição internacional “JCE – Jovens Criadores Europeus (2017-2019)”.

Ana Carmem Nascimento concluiu o seu Doutoramento em 2017, com a dissertação “Um estudo social de imagens: Significados e Pluridiversidade na obra de Mário Vitória”, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil.

As suas obras têm sido objecto de estudo em vários graus de ensino. As suas imagens surgem em inúmeros contextos, desde revistas, cd´s, colóquios, teatro, conferências e livros, com principal destaque a colaboração com Boaventura de Sousa Santos com editoras em Espanha, Estados Unidos, Portugal, Brasil e Inglaterra.

Participa regularmente com o seu trabalho no carismático evento de elogio à poesia, denominado de Quintas de Leitura, no Teatro Campo Alegre do Porto.

Realizou em 2016 a convite da Federação Portuguesa de Natação a obra Institucional “Espírito Olímpico da Natação” para a celebração da FPN e dos seus atletas nos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil.

Apresentou no evento “Capital Europeia da Cultura de 2012” a sua maior obra “Apocalipse e o rapto da Europa”. Exposta no Museu Nacional de Alberto Sampaio em Guimarães e posteriormente no Paço dos Duques de Bragança, no Centro de Artes de Sines, no Centro de Memória Vila do Conde e ainda no Museu Nacional Machado de Castro.

Em 2010 realizou a encomenda institucional para o retrato do Ex-Presidente da República Dr. Mário Soares. A obra de escala encontra-se em exposição permanente em Arcos de Valdevez, cidade onde se realizou a última homenagem à vida e obra do Político.

Mário Vitória está representado em inúmeras colecções oficiais e particulares, nacionais e internacionais.  www.mariovitoria.com.

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